quarta-feira, 19 de março de 2014


Entrevista exclusiva concedida pelo filósofo Vladimir Safatle ao jornal Brasil de Fato em 18/02/2014.

https://www.youtube.com/edit?video_id=kGdw9xkoeKM
 

[00:11] Em artigo recente, você afirma que as exigências populares de uma "outra política" expressas em junho "pararam na lata de lixo mais próxima", e argumenta: "Depois de apresentar com uma mão um projeto de Assembleia Constituinte para a reforma política e retirá-lo com a outra, o governo prometera pressionar o Congresso Nacional para debater as propostas. O resultado foi cosmético, se quisermos ter um mínimo de generosidade". Contudo, o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, tratando deste mesmo assunto, apresenta um ponto de vista diferente. Diz ele: “As ruas emitiram um sinal, e Dilma emitiu um outro sinal em resposta num sentido de ampliação da democracia como nunca havia acontecido. Os setores da direita imediatamente souberam ler o que estava em jogo, e os manifestantes não souberam". Como você encara a resposta das ruas à proposta de Assembleia Constituinte?


[02:32] Você tem sustentado a tese de que o modelo de desenvolvimento dos governos Lula e Dilma esgotou-se e, ao mesmo tempo, tem insistido na necessidade de haver um "segundo ciclo de políticas contra a desigualdade baseadas na universalização de serviços públicos de qualidade". O que isso significa, do ponto de vista da estratégia política?

[05:15] O cientista político André Singer sustenta, com base em pesquisas empíricas, que, entre a parcela mais pobre e vulnerável da classe trabalhadora, predomina a rejeição à radicalização política. Segundo André Singer, o "subproletariado" quer mudanças, mas dentro da ordem. A isso eu acrescento um dado recente: pesquisa divulgada semana passada mostra que, no Rio de Janeiro, mais da metade da população situada na faixa de renda familiar até 2 salários mínimos é contra os protestos [51% x 44%]. Considerando que o "subproletariado" é base não apenas do governo Dilma, mas de qualquer governo de esquerda, e levando em conta a tese que você sustenta em um de seus livros, de que "o principal problema que acomete a esquerda atual é sua dificuldade em ser uma esquerda popular”... (A esquerda que não teme dizer seu nome, Três Estrelas, 2012), como conciliar a necessidade de investir na radicalização política com o desafio de ser "uma esquerda popular"?

[08:50] Em seu mais recente livro (O dever e seus impasses, Martins Fontes, 2013), você afirma que "o dever é uma figura do desejo" e que a autonomia é a "capacidade de desejar o que se quer". E, há poucos meses, você escreveu um artigo no qual argumenta que "o capitalismo não é apenas um sistema de trocas econômicas, mas um modo de produção e administração dos afetos. Não se deseja da mesma forma dentro e fora do capitalismo. Há uma maneira de desejar própria do capitalismo, de sua velocidade, seu ritmo, seu espaço. /.../ se quisermos compreender de onde vem a força de adesão do capitalismo, devemos nos perguntar sobre como ele mobiliza afetos, como ele nos descostuma de certos modos de afecção e como privilegia outros. Não nos perguntaremos apenas sobre como somos alienados de nosso próprio trabalho, mas também como somos alienados de nossos próprios desejos". Levando em conta que a luta anticapitalista ocorre no interior do capitalismo, que práticas a esquerda poderia assumir e propagar, no sentido de construir desde já uma forma não-alienada de organização dos desejos?

[12:20] Em seu livro A esquerda que não teme dizer seu nome, você critica a esquerda governista pela "incapacidade de sair dos impasses do nosso presidencialismo de coalizão" e, ao mesmo tempo, defende a necessidade de buscar uma nova estratégia "sem ter de apelar para ideias vagas como 'tudo se resolve por meio da vontade política'". Se o problema não reside na vontade política, qual é a origem dessa incapacidade?

[16:55] Sobre a violência nas manifestações, você escreveu recentemente: "Melhor seria se procurássemos analisar tal violência como um profundo sintoma social da vida política nacional contemporânea. /.../ a violência aparece como a primeira revolta contra a impotência política./.../ Como todo sintoma, há algo que essa violência nos diz. A resposta a ela não será policial, mas política". Como você encara o debate sobre a violência na conjuntura atual?

[20:07] Em artigo recente, você argumenta: "Como mostrou a França quando criou um grande banco de dados de segurança nacional chamado Hadopi, começa-se fichando pretensos terroristas e termina-se fichando sindicalistas, manifestantes, jornalistas e ativistas". O projeto de lei anti-terrorismo em tramitação no Senado seria um sintoma do quê?


[22:33] Tratando das manifestações, você escreveu: "/.../ um acontecimento, por mais intensidade que tenha em sua eclosão, é medido por sua capacidade de deixar marcas. /.../ Convém lembrar que um acontecimento político não é medido, necessariamente, pela modificação institucional que ele produz. Esta pode vir apenas décadas depois". Que marcas foram deixadas pelos protestos de junho?

[26:10] Ainda nesse mesmo artigo, você afirma: "Na verdade, um acontecimento político é medido pela sua capacidade de produzir novos sujeitos políticos. Trata-se de novas forças de desestabilização capazes de fazer circular outros nomes, dar visibilidade a novas lutas e demandas. Ou seja, um novo sujeito político traz sempre uma mutação por meio da qual o que até então era invisível ganha visibilidade". Como você avalia a maneira como a esquerda tem lidado com esses novos sujeitos políticos?

[31:16] O que você acha do Movimento Passe Livre (MPL), considerando o atual quadro dos movimentos sociais, partidos e organizações de esquerda no Brasil?

[35:10] Em artigo recente, você argumenta que, "ao seguir uma lógica típica norte-americana, o pensamento conservador nacional tenta se recolocar no centro do debate por meio da inflação de pautas de costumes e de cultura. Tal estratégia só pode ser combatida pela aceitação clara de tais pautas de costumes, mas como eixo central de uma política de modernização social. Cabe à esquerda dizer alto e bom som que temas como casamento igualitário, direito ao aborto e políticas de combate à desigualdade racial são pontos inegociáveis a ser implementados com urgência". Como você avalia o momento atual da sociedade brasileira no tocante a tais pautas?

[37:52] Recentemente você escreveu um artigo, no qual sustenta que a luta por reconhecimento e ampliação de direitos precisa ser radicalizada, mas que, diferentemente do passado recente, "tal radicalização não passa por um aprofundamento dos mecanismos de institucionalização. Ela passa, ao contrário, por uma profunda desinstitucionalização". Por quê?

44:27] Em artigo recente, você afirma que "deveríamos chamar nossa condição atual como uma situação de ‘neodemocracias’". No que consiste uma neodemocracia?


[49:08] Nos princípios da filosofia do direito, Hegel refere-se à concepção kantiana de liberdade nestes termos: “Não precisa o pensamento filosófico recorrer a qualquer consideração especulativa para repelir este ponto de vista desde que ele produziu, nas cabeças e na realidade, acontecimentos cujo horror só tem igual na vulgaridade dos pensamentos que os causaram.”